Linha Douro - Portugal

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

António Nóvoa fala sobre conteúdos que devem ser prioritários na escola (continuação da entrevista)

Como garantir que os professores iniciantes tenham um acompanhamento dos mais experientes?
NÓVOA
É preciso assegurar que cada aluno-mestre (aquele que está estudando para ser professor) vá adquirindo autonomia no exercício profissional. Primeiro, observando os mais experientes. Depois, ajudando-os e, finalmente, assumindo a docência sob a supervisão de um tutor. Ao mesmo tempo, deve-se promover a integração de todos eles na cultura da profissão, incentivando a participação em tudo o que acontece na instituição escolar. Ainda é recomendado transformar certos casos e situações do trabalho escolar em problemas de pesquisa, ou seja, discutindo-os do ponto de vista teórico e prático, refletindo sobre eles e produzindo conhecimento pertinente para a profissão. É uma rotina desse tipo que permite concretizar uma formação eficaz dentro da escola.

Há bons exemplos de instituições que adotam tal sistema?
NÓVOA
Sim. Há muitos modelos no mundo inteiro. Eu próprio participei de experiências desse tipo em universidades nos Estados Unidos, na Suíça e em Portugal. Em alguns casos, o sistema funciona em escolas comuns da rede pública. Em outros, há instituições especiais associadas a universidades e, como regra geral, sempre existe um tutor dos professores novatos. Com a integração à vida profissional, a supervisão se transforma, progressivamente, em trabalho de cooperação com os colegas. A ação dos amigos críticos, aqueles que nos ajudam a refletir e a avançar na profissão, torna-se dominante. E, pouco a pouco, os jovens professores vão assumindo, também eles, o papel de colegas críticos dos outros.

Pesquisas realizadas pela Fundação Victor Civita mostram que o coordenador pedagógico ainda atua pouco na formação dos professores. Como mudar essa realidade?
NÓVOA
A formação deveria ser a preocupação central dos coordenadores pedagógicos. Se concebermos a formação numa perspectiva de cooperação e de partilha, é possível pensar todo o trabalho escolar baseado nela. Em Portugal, um bom exemplo é o do Movimento da Escola Moderna, que pratica um sistema de formação cooperada desde os anos 1960. Os organizadores recolhem boas práticas de ensino na rede pública e socializam o material em reuniões aos sábados ou durante a semana para quem se interessar. São mais de 2 mil associados em 17 núcleos regionais. O trabalho tem dado bons resultados em sala de aula.

Como o gestor pode promover a cooperação entre os docentes dentro da própria escola?
NÓVOA
A profissão de professor é muito desgastante e exigente. Hoje, ela não pode ser vivida isoladamente. É fundamental falar dos problemas com os colegas, em diálogo aberto, num quadro de partilha e de colaboração mútua. É muito importante que haja alguém que dinamize esses processos e que ajude a organizar o trabalho escolar - e esse alguém pode ser o coordenador pedagógico. Nada se consegue sozinho. Os problemas educativos só podem ser resolvidos por meio de uma ação coletiva.

O que torna um coordenador pedagógico preparado para fazer esse trabalho de orientação dos colegas?
NÓVOA
Ele deve ter os conhecimentos necessários anteriores, mas, a partir do momento em que é colocado como um líder, deve assumir uma atitude de pesquisador de casos e possibilidades de soluções e, sobretudo, fazer um exercício de reflexão sobre a própria experiência docente. É muito importante que o coordenador pedagógico - ou quem exerça o papel de formador - saiba ouvir e tenha uma grande capacidade de se relacionar e de organizar.

António Nóvoa fala sobre conteúdos que devem ser prioritários na escola (continuação da entrevista)

Até que ponto o gestor pode mexer no currículo quando há uma política nacional definida pelo governo?
NÓVOA
Muitas propostas de Educação complementares ao currículo não são impositivas. Cabe aos diretores de cada escola escolher o que priorizar. Tanto é assim que em vários países, embora a política educacional seja única, verifica-se um dualismo cada vez mais acentuado: as elites investem na Educação privada, cuja base estrutural é a aprendizagem, enquanto as escolas públicas estão cada vez mais centradas em dimensões sociais e assistenciais. Essa Educação feita em duas velocidades é o pior dos cenários para o nosso futuro, pois só aumenta a desigualdade de oportunidades.

O que responder aos que cobrarão o ensino de outros temas?
NÓVOA
Que não se pode pretender que a sala de aula resolva todos os problemas. Muitas vezes, se ouve a pergunta: o que a escola pode dar à sociedade? Agora é tempo de inverter a questão: o que a sociedade pode dar à escola? Como a comunidade vai ajudar na missão educativa? À escola o que é da escola. À sociedade o que é da sociedade.

A menor presença dos conteúdos sociais garante a qualidade do ensino?
NÓVOA
Garante que os conteúdos essenciais tenham mais tempo para ser ensinados pelo professor. Porém a qualidade do trabalho didático depende fundamentalmente da existência de bons professores. Nos anos 1970, demos muita importância à racionalização, planificação e avaliação do ensino, à procura de fórmulas racionais, que deveriam orientar nossa ação. Na década seguinte, focamos as reformas dos programas e dos currículos. Em seguida, voltamos nossas atenções à administração e gestão das escolas. Por esse caminho, alimentávamos a ilusão de que as novas tecnologias resolveriam todos os problemas. Agora, neste início do século 21, começamos a compreender que nada consegue substituir um bom professor. Os educadores competentes valem muito mais do que qualquer técnica, método ou teoria. A equipe gestora deve dar toda a atenção a isso se quiser construir uma escola melhor.

Como a escola pode ajudar na formação de professores melhores?
NÓVOA
Tenho defendido que os docentes precisam se formar dentro das escolas, em contato com o cotidiano e com os estudantes. É preciso criar estruturas que tenham incorporado o conhecimento, a pesquisa e as práticas profissionais e coloquem tudo isso a serviço da formação. O que se passa num hospital universitário pode servir de inspiração. Os jovens residentes são formados por outros médicos com grande proximidade com a pesquisa e o dia a dia da profissão. Da mesma forma, os professores deveriam ser formados por outros mestres e interagir com a academia.

António Nóvoa fala sobre conteúdos que devem ser prioritários na escola

O educador português e reitor da Universidade de Lisboa, António Nóvoa, defende a priorização do conhecimento e da cultura no currículo. "Outros conteúdos devem ser responsabilidade da sociedade."


"Imagine que a escola é um pote." O pedido tem sido repetido pelo educador português António Nóvoa, um dos mais respeitados nomes na área de formação de professores, em palestras ao redor do mundo. Ele mostra no telão a imagem de um recipiente em que dentro se veem itens como Matemática, Língua e História. "Porém as crianças precisam ter noções de meio ambiente, certo?", diz. "E aulas de cidadania e higiene", completa ele, inserindo, por meio de uma animação, mais conteúdo na vasilha. "Alguém precisa preveni-los também contra a aids, a violência sexual..." Quando o pote já está quase cheio, ele mesmo responde: "Tudo isso é importante, mas não deve ser responsabilidade da escola."

Reitor da Universidade de Lisboa e doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e em História pela Universidade Sorbonne, em Paris, Nóvoa conjuga experiência internacional e conhecimento histórico ao defender que, para fazer um bom trabalho, a escola deve decidir o que é essencial ensinar aos alunos - e gastar tempo e esforços apenas com isso. "À escola o que é da escola", diz. Outros conteúdos devem ser cobrados de outras instituições. Leia a seguir a entrevista que o educador deu a NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR no fim do ano passado, quando esteve no Brasil.

Qual é o principal desafio de um gestor escolar atualmente?
ANTÓNIO NÓVOA
Acredito que é decidir o que é essencial ensinar aos alunos e garantir que as disciplinas elementares não sejam prejudicadas pela avalanche de conteúdos que são propostos atualmente. Hoje, a equipe docente se ocupa da Educação Ambiental, alimentar e comportamental e com programas de prevenção a aids, acidentes de trânsito e violência sexual. Todos muito importantes, mas que não são responsabilidade da escola. Ao tentar colocar tudo no mesmo pote, falta espaço para o básico.

Como saber o que é essencial?
NÓVOA
Há um pensamento notável de Olivier Reboul, filósofo francês (1925-1992). Ele diz que deve ser ensinado na escola tudo o que une e tudo o que liberta. O que une é aquilo que integra cada indivíduo num espaço de cultura, em determinada comunidade: a Língua, as Artes Plásticas, a Música, a História etc. Já o que liberta é o que promove a aquisição do conhecimento, o despertar do espírito científico, a capacidade de julgamento próprio. Estão nessa categoria a Matemática, as Ciências, a Filosofia etc. Com base nesse princípio, podemos selecionar o que é mais importante e o que é acessório na Educação das crianças.

Temas como Educação sexual, alimentar e ambiental poderiam ser descartados do currículo escolar?
NÓVOA
Não, mas hoje existem instituições e profissionais com conhecimento nessas áreas que podem prover essa formação. Há museus, associações, estudiosos, institutos e fundações mais preparados para tratar de certos temas do que um professor. Nós, docentes, não podemos fazer tudo. Devemos concentrar esforços numa Educação especificamente escolar. É claro que isso implica uma maior responsabilidade da sociedade com outros temas, com espaço para a cobrança por todos, inclusive os gestores escolares.

Por que é tão difícil separar o conteúdo escolar do "conteúdo social"?
NÓVOA
Esse é um problema dificílimo, sobretudo no Brasil, em que tantos alunos têm ainda enormes carências sociais. Por isso, há a tendência de a equipe docente ceder espaço para atividades que, teoricamente, ajudam na promoção da igualdade de direitos. Contudo, não existe inclusão social se os estudantes não aprendem as ferramentas básicas do conhecimento e da cultura. No século passado, muito se investiu em um conceito de Educação integral, no qual a escola deveria acolher a criança, ensinar todo o necessário e depois devolvê-la pronta à sociedade. Isso fazia sentido porque a maior parte da população era analfabeta e ignorante. A escola tinha de compensar o que não existia fora dela. Hoje, ocorre justamente o contrário. É hora de devolver a criança à sociedade.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

REFLEXÃO: Saber Viver Cora Coralina


A poética de CORA CORALINA, brasileira, nascida Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas, é de uma beleza indescritível. Sua poética traduz uma tipologia de realismo-concreto-expressionista, que nos induz e conduz por meio de versos feitos de palavras simples, singelas, como a própria poeta se nos apresentaCarlos Drumond de Andrade, ícone da poesia modernista brasileira, assim falou sobre Cora Coralina: "Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)."
(por o João Poeta do Brasil)

REFLEXÃO: Assim Eu Vejo A Vida...


A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

Cora Coralina

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Questões de Estudo

A relevância dos indicadores educacionais para a educação básica: informações e decisões.

SOUZA, Alberto de Mello

1. Qual o papel dos indicadores educacionais nas sociedades modernas?

“Os indicadores tem um papel de destaque nas sociedades modernas por facilitarem a divulgação do comportamento dos diversos setores e permitirem a análise, muitas vezes comparativa, de sua evolução.” ( SOUZA, A. Mello, p.155)

A sociedade moderna necessita cada vez mais de informações precisas para conhecer sua própria realidade e construir políticas públicas capazes de levar melhorias ao cidadão, seja na área econômica, política ou social.

Um indicador é uma medida estatística que traduz quantitativamente conceitos relacionados à qualidade e ao desenvolvimento de determinado aspecto da realidade que se pretende explorar.

O exemplo mais conhecido é o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – que, para monitorar o desenvolvimento dos países, considera dados sobre expectativa de vida da população, educação e PIB per capita.

Com esse índice, os países podem identificar áreas que necessitam de melhorias e de investimentos, verificar comparativamente sua situação em relação às demais nações e estabelecer metas para a melhoria de sua qualidade de vida.

De modo semelhante, os indicadores educacionais são construídos para atribuir um valor estatístico à qualidade do ensino de uma escola ou rede, atendo-se não somente ao desempenho dos alunos, mas também ao contexto econômico e social em que as escolas estão inseridas.


2. Quais os indicadores educacionais apresentados no texto como os mais utilizados nos Ensino Fundamental e Médio?

Os indicadores são classificados em: demográficos, econômicos e financeiros, políticos e sociais. Os indicadores educacionais utilizados no ensino fundamental e médio são os de insumos, de processo e de produtos, que:

“Geralmente,(...) são obtidos a partir de varáveis obtidas de duas fontes de dados: o Censo Escolar e o Censo Demográfico ou levantamentos anuais das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads). O Censo Escolar é realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC) e consiste de um questionário que todas as escolas devem responder, contendo informações sobre os alunos, professores, recursos, gestão e infra-estrutura. (...) Outra fonte de dados é o Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulga, entre outras, informações demográficas e relativas à renda familiar, ao analfabetismo e à escolaridade da população”.( SOUZA, A. Mello pp. 159-160)

Tais ferramentas são úteis principalmente para o monitoramento dos sistemas educacionais, considerando o acesso, a permanência e a aprendizagem de todos os alunos. Os indicadores educacionais, dessa forma, auxiliam na criação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade da educação e dos serviços oferecidos à sociedade por meio da instituição escolar.

3. Discorra sobre o problema da desigualdade educacional apresentado no texto.

A desigualdade educacional é mensurada pelo efeito de uma série de variáveis independentes. Há cinco grupos mais estudados que dividem a população por gênero, etnia ou raça, local de residência, classe de renda e faixas etárias.

Indicam as características dos indivíduos e das instituições de ensino que podem variar de acordo com o modelo. As formas variáveis e independentes, também, são usadas para medir as diferentes desigualdades tais como:

a)      condições econômicas da família (status ocupacional dos pais e riqueza o pobreza da família);

b)      características demográficas dos indivíduos (raça ou cor, sexos), o sexo é usado para medir desigualdades de escolaridade entre homens e mulheres, verificando-se a tendência histórica;

c)      capital cultural da família, ou seja, a educação dos pais) que medem o nível de conhecimento e acesso aos bens culturais dos pais, fator importante porque os pais podem transmitir aos filhos o conhecimento e a forma de comportamento para obter sucesso na escola;

d)      contexto regional como a região de nascimento e área de moradia é um indicador importante porque o local onde as pessoas nasceram e cresceram podem ter um efeito sobre as chances de escolarização;

e)      estrutura familiar (tipo de família, número de pessoas na família e trabalho dos pais). Famílias muito grandes encontram dificuldades para dividir os recursos entre os filhos. A presença ou não da mãe em casa. Mãe presente pode ser pode ser vantagem em termos de atenção dispensada aos filhos em fase de escolarização;

f)        qualidade de ensino, como o tipo de escola freqüentada (privada, pública, federal, municipal ou outras). Embora nos ensino fundamental e médio sejam compostos por um currículo único, a existência de diferentes escolas e qualidades implica em estratificação do próprio sistema educacional;

g)      coorte de nascimento que mostram mudanças temporais nas transições e também as interações entre todas as variáveis independentes e coortes de idade. Apenas as interações estatisticamente são mantidas.

** Coorte: 1. estudos observacionais onde indivíduos são classificados (ou selecionados) segundo o “status de exposição”, sendo seguidos para  avaliar a incidência de uma doença; 2. pesquisadores.

4. A quais conclusões o autor chega quanto ao impacto de indicadores educacionais como balizadores das análises dos problemas na educação?

A educação brasileira passou por grandes modificações e ainda apresenta um desempenho insatisfatório. O autor tem por objetivo descrever os indicadores educacionais utilizados no ensino fundamental e médio e o papel que desempenha as análises educacionais. As análises atestam que os indicadores tem três funções: monitorar as escolas, ajudar na tomada de decisões e fornecer informações para avaliação de programa. Encerra reiterando a importância dos indicadores na análise e dimensionamento dos problemas educacionais.

Sessão de Estudos: Artigo de Alberto de Mello Souza

A relevância dos indicadores educacionais para a educação básica: informação e decisões 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Leitura de Texto - Educação e Sociedade

Análise literária - elementos da narrativa

Analisar como os vários elementos que compõem a narrativa literária

Narrativa

Questionamento: a obra literária tem mesmo sentido? Se considerarmos a obra como a maior unidade literária, não. Isso porque o sentido se estabelece de um nível para outro maior. E não haveria nada superior à obra literária. Contudo, a obra não tem existência independente. Ela está relacionada a um universo literário povoado por obras já existentes. Logo, pode haver algo superior a ela que lhe concede, portanto, sentido.

A obra literária está dividida entre história e discurso.

História: porque evoca certa realidade, acontecimentos verídicos, personagens que podem ser confundidos com reais.

Discurso: porque há narrador que relata e leitor que percebe. A maneira pela qual o narrador conta é que importa. Esse discurso é a construção estética da narrativa.

Obs.: Não há uma cronologia perfeita na história quando há mais de um personagem focado. Para evitar isso, só descrevendo o que um está fazendo lá enquanto este outro se manifesta aqui; A história é sempre uma abstração, pois é percebida e narrada por alguém, não existe "em si".

História

Lógica das ações

Na narrativa há repetições, para a retórica. Um exemplo disso é a antítese, a gradação, o paralelismo.

Se pensarmos na Tríade de Bremond, a narrativa é formada por uma série de micronarrativas. Estas são compostas por três partes: tentativa de projeto, pretensão e perigo. Isso remete à uma saga básica do herói na narrativa.

A sucessão de ações não é arbitrária, mas obedece à certa lógica: Projeto → Obstáculo → Perigo → Resistência ou Fuga.

Personagens suas relações

As relações entre personagens são definidos basicamente pelos Predicados da Base. Os três predicados básicos são: desejo (amor), comunicação (confidência) e participação (ajuda; subordinada ao desejo).

Esses predicados são ramificados seguindo as Regras de Derivação, regras estas que fazem com que surjam relações derivadas das três da base. E dessa regra nasce a ligação entre predicado de base e predicado derivado.

1. Derivação pela regra de oposição: cada predicado-base tem seu predicado oposto. Esses opostos estão menos presentes do que seus pares positivos. A oposição da confidência, por exemplo, é tornar o segredo público, exibi-lo. Outro exemplo: ato de ajudar ↔ ato de impedir.

2. Derivação pela regra do passivo: da voz ativa para a voz passiva. Essa regra mostra o parentesco de duas proposições já existentes.

O ser e o parecer

Aparência não coincide necessariamente com a essência da relação, embora se trate da mesma pessoa e do mesmo momento. A tomada de consciência ocorre quando um personagem se dá conta de que a relação que tem com outro personagem não é a que acreditava ter.

Transformações pessoais

Quando há mudanças nas relações pessoais, há o surgimento de novos predicados.

Discurso

A narrativa é parole, ou seja, discurso. É propositalmente dirigida a um leitor.

Tempo da narrativa

Exprime a relação entre tempo da história e do discurso.

Há diferença entre a temporalidade da história e a do discurso. Enquanto o do discurso é linear, o da história é pluridimensional.

Na história, há a deformação da sucessão natural porque utiliza-se essa deformação para certos fins estéticos. Já no discurso os acontecimentos são obrigatoriamente lineares.

Deformação temporal

Há efeitos muito diferentes de acordo como os fatos são dispostos. Do mesmo modo como ocorre com sons e versos, ocorre com os acontecimentos da narrativa. Em suma, muda-se o discurso com esses diferentes encadeamentos.

Encadeamento, alternância, encaixamento

Pode haver várias histórias dentro de uma narrativa. E essas histórias estão ligadas de alguma maneira:

Encadeamento: há uma justaposição das histórias. Acaba uma história, começa outra. Está ligada à coordenação. A unidade se dá pela semelhança na construção das histórias.

Encaixamento: uma história é inserida na outra. Está ligada à subordinação.

Alternância: conta-se as histórias simultaneamente, interrompendo uma para começar outra para, por fim, retomar a primeira. Esse tipo perdeu totalmente a ligação com a literatura oral, onde não pode haver essa quebra.

Tempo da escritura, tempo da leitura

O tempo da escritura corresponde ao tempo da enunciação. Já o tempo da leitura corresponde ao tempo da percepção. O da enunciação pode se tornar elemento literário se o narrador falar de sua própria narrativa. Na narrativa de uma narração, voltada para si mesma, o tempo da enunciação é o único presente. O tempo da percepção é um tempo irreversível que mostra nossa percepção do conjunto.

Aspectos da narrativa

É a maneira pela qual a história é percebida pelo narrador. Reflete a relação entre um "ele" (na história) e um "eu" no discurso. Há a percepção do leitor e a percepção de quem descreve.

Narrador > Personagem: Narrador sabe mais que o personagem. Não há segredos para o narrador, e este não conta como sabe tudo isso. Abarca uma série de visões que os personagens não teriam por inteiro.

Narrador = Personagem: Os dois sabem o mesmo. Pode ser na 1ª pessoa ou na 3ª pessoa, mas sempre de acordo com a visão de um único personagem.

Narrador < Personagem: Narrador sabe tão pouco quanto seus personagens, até menos. Pode descrever o que capta pelos sentidos, mas não consciências. É puro sensualismo.

Obs.:

No Narrador = Personagem, estes contam ou vêem o mesmo acontecimento (esteroscopia) ou muitos acontecimentos diferentes.

O método de observar através de projeções da consciência dos personagens surgiu no século XIX com Henry James e consagrou-se no século XX. No Iluminismo isso não havia porque primavam pela verdade. Já os romances do século XIX vão se contentar com o parecer.

Modos da narrativa

Dependem do discurso utilizado pelo autor. Esse discurso pode se dar pela narração ou pela representação.

Crônica → História → Narração: autor é pura testemunha, faz apenas um relato dos fatos. Os personagens não têm voz.

Drama → Discurso → Representação: não há narração. Esta está contida na réplica dos personagens.

Fala dos personagens, fala do narrador

O texto mescla estilo direto (dos personagens) com falas do narrador. Enquanto na representação assistimos ao ato, na narração há mediação.

Objetividade e subjetividade na linguagem

Toda fala possui:

Enunciado: sujeito do enunciado objetivo.

Enunciação: sujeito da enunciação subjetivo.

Remete à teoria de John Austin: constatativo (objetivo) e performativo (subjetivo). Pronomes pessoais e demonstrativos, tempos do verbo: todos subjetivos.

Aspectos e modos

Cênico: representação e visão do tipo Narrador = Personagem

Panorâmico: narração e visão do tipo Narrador > Personagem

Imagem do narrador e imagem do leitor

O narrador é o sujeito da enunciação. Ele é que faz uma série de escolhas.

A imagem do leitor aparece junto da do narrador. É a lei semiológica de que o emissor e receptor de um enunciado aparecem sempre juntos.

Ao lermos o livro do começo ao fim, cumprimos o papel do leitor. Sabemos, de certa forma, mais que os personagens.

Quadro resumo - Tendências pedagógicas


As Principais Tendências Pedgógicas na prática escolar brasileira seus pressupostos de aprendizagem

Delcio Barros da Silva

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é verificar os pressupostos de aprendizagem empregados pelas diferentes tendências pedagógicas na prática escolar brasileira, numa tentativa de contribuir, teoricamente, para a formação continuada de professores.

Sabe-se que a prática escolar está sujeita a condicionantes de ordem sociopolítica que implicam diferentes concepções de homem e de sociedade e, conseqüentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola e da aprendizagem, inter alia. Assim, justifica-se o presente estudo, tendo em vista que o modo como os professores realizam o seu trabalho na escola tem a ver com esses pressupostos teóricos, explícita ou implicitamente.

Embora se reconheçam as dificuldades do estabelecimento de uma síntese dessas diferentes tendências pedagógicas, cujas influências se refletem no ecletismo do ensino atual, emprega-se, neste estudo, a teoria de José Carlos Libâneo, que as classifica em dois grupos: “liberais” e “progressistas”. No primeiro grupo, estão incluídas a tendência “tradicional”, a “renovada progressivista”, a “renovada não-diretiva” e a “tecnicista”. No segundo, a tendência “libertadora”, a “libertária” e a “crítico-social dos conteúdos”.

Justifica-se, também, este trabalho pelo fato de que novos avanços no campo da Psicologia da Aprendizagem, bem como a revalorização das idéias de psicólogos interacionistas, como Piaget, Vygotsky e Wallon, e a autonomia da escola na construção de sua Proposta Pedagógica, a partir da LDB 9.394/96, exigem uma atualização constante do professor. Através do conhecimento dessas tendências pedagógicas e dos seus pressupostos de aprendizagem, o professor terá condições de avaliar os fundamentos teóricos empregados na sua prática em sala de aula.

No aspecto teórico-prático, ou seja, nas manifestações na prática escolar das diversas tendências educacionais, será dado ênfase ao ensino da Língua Portuguesa, considerando-se as diferentes concepções de linguagem que perpassam esses períodos do pensamento pedagógico brasileiro.

2. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS LIBERAIS

Segundo LIBÂNEO (1990), a pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Isso pressupõe que o indivíduo precisa adaptar-se aos valores e normas vigentes na sociedade de classe, através do desenvolvimento da cultura individual. Devido a essa ênfase no aspecto cultural, as diferenças entre as classes sociais não são consideradas, pois, embora a escola passe a difundir a idéia de igualdade de   oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições.

2.1. TENDÊNCIA LIBERAL TRADICIONAL

Segundo esse quadro teórico, a tendência liberal tradicional se caracteriza por acentuar o ensino humanístico, de cultura geral. De acordo com essa escola tradicional, o aluno é educado para atingir sua plena realização através de seu próprio esforço. Sendo assim, as diferenças de classe social não são consideradas e toda a prática escolar não tem nenhuma relação com o cotidiano do aluno.

Quanto aos pressupostos de aprendizagem, a idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de outra: a de que a capacidade de assimilação  da criança é idêntica à do adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A criança é vista, assim, como um adulto em miniatura, apenas menos desenvolvida.

No ensino da língua portuguesa, parte-se da concepção que considera a linguagem como expressão do pensamento. Os seguidores dessa corrente lingüística, em razão disso, preocupam-se com a organização lógica do pensamento, o que presume a necessidade de regras do bem falar e do bem escrever. Segundo essa concepção de linguagem, a Gramática Tradicional ou Normativa se constitui no núcleo dessa visão do ensino da língua, pois vê nessa gramática uma perspectiva de normatização lingüística, tomando como modelo de norma culta as obras dos nossos grandes escritores clássicos. Portanto, saber gramática, teoria gramatical, é a garantia de se chegar ao domínio da língua oral ou escrita.

Assim, predomina, nessa tendência tradicional, o ensino da gramática pela gramática, com ênfase nos exercícios repetitivos e de recapitulação da matéria, exigindo uma atitude receptiva e mecânica do aluno. Os conteúdos são organizados pelo professor, numa seqüência lógica, e a avaliação é realizada através de provas escritas e exercícios de casa.

2.2. TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA PROGRESSIVISTA

Segundo essa perspectiva teórica de Libâneo, a tendência liberal renovada (ou pragmatista) acentua o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais.

A escola continua, dessa forma, a preparar o aluno para assumir seu papel na sociedade, adaptando as necessidades do educando ao meio social, por isso ela deve imitar a vida. Se, na tendência liberal tradicional, a atividade pedagógica estava centrada no professor, na escola renovada progressivista, defende-se a idéia de “aprender fazendo”, portanto centrada no aluno, valorizando as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, etc, levando em conta os interesses do aluno.

Como pressupostos de aprendizagem, aprender se torna uma atividade de descoberta, é uma auto-aprendizagem, sendo o ambiente apenas um meio estimulador. Só é retido aquilo que se incorpora à atividade do aluno, através da descoberta pessoal; o que é incorporado passa a compor a estrutura cognitiva para ser empregado em novas situações. É a tomada de consciência, segundo Piaget.

No ensino da língua, essas idéias escolanovistas não trouxeram maiores conseqüências, pois esbarraram na prática da tendência liberal tradicional.

2.3. TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA

Acentua-se, nessa tendência, o papel da escola na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo o esforço deve visar a uma mudança dentro do indivíduo, ou seja, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente.

Aprender é modificar suas próprias percepções. Apenas se aprende o que estiver significativamente relacionado com essas percepções. A retenção se dá pela relevância do aprendido em relação ao “eu”, o que torna a avaliação escolar sem sentido, privilegiando-se a auto-avaliação. Trata-se de um ensino centrado no aluno, sendo o professor apenas um facilitador. No ensino da língua, tal como ocorreu com a corrente pragmatista, as idéias da escola renovada não-diretiva, embora muito difundidas, encontraram, também, uma barreira na prática da tendência liberal tradicional.

2.4. TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA

A escola liberal tecnicista atua no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse principal é, portanto, produzir indivíduos “competentes” para o mercado de trabalho, não se preocupando com as mudanças sociais.

Conforme MATUI (1988), a escola tecnicista, baseada na teoria de aprendizagem S-R, vê o aluno como depositário passivo dos conhecimentos, que devem ser acumulados na mente através de associações. Skinner foi o expoente principal dessa corrente psicológica, também conhecida como behaviorista. Segundo RICHTER (2000), a visão behaviorista acredita que adquirimos uma língua por meio de imitação e formação de hábitos, por isso a ênfase na repetição, nos drills, na instrução programada, para que o aluno for me “hábitos” do uso correto da linguagem.

A partir da Reforma do Ensino, com a Lei 5.692/71, que implantou a escola tecnicista no Brasil, preponderaram as influências do estruturalismo lingüístico e a concepção de linguagem como instrumento de comunicação. A língua – como diz  TRAVAGLIA (1998) – é vista como um código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam segundo regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor. Portanto, para os estruturalistas, saber a língua é, sobretudo, dominar o código.

No ensino da Língua Portuguesa, segundo essa concepção de linguagem,  o trabalho com as estruturas lingüísticas, separadas do homem no seu contexto social,  é visto como possibilidade de desenvolver a expressão oral e escrita. A tendência tecnicista é, de certa forma, uma modernização da escola tradicional e, apesar das contribuições teóricas do estruturalismo, não conseguiu superar os equívocos apresentados pelo ensino da língua centrado na gramática normativa. Em parte, esses problemas ocorreram devido  às dificuldades de o professor assimilar as novas teorias sobre o ensino da língua materna.


3. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PROGRESSISTAS

Segundo Libâneo, a pedagogia progressista designa as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação.

3.1. TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTADORA

As tendências progressistas libertadora e libertária têm, em comum, a defesa da autogestão pedagógica e o antiautoritarismo. A escola libertadora, também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, vincula a educação à luta e organização de classe do oprimido. Segundo GADOTTI (1988), Paulo Freire não considera o papel informativo, o ato de conhecimento na relação educativa, mas insiste que o conhecimento não é suficiente se, ao lado e junto deste, não se elabora uma nova teoria do conhecimento e se os oprimidos não podem adquirir uma nova estrutura do conhecimento que lhes permita reelaborar e reordenar seus próprios conhecimentos e apropriar-se de outros.

Assim, para Paulo Freire, no contexto da luta de classes, o saber mais importante para o oprimido é a descoberta da sua situação de oprimido, a condição para se libertar da exploração política e econômica, através da elaboração da consciência crítica passo a passo com sua organização de classe. Por isso, a pedagogia libertadora ultrapassa os limites da pedagogia, situando-se também no campo da economia, da política e das ciências sociais, conforme Gadotti.

Como pressuposto de aprendizagem, a força motivadora deve decorrer da codificação de uma situação-problema que será analisada criticamente, envolvendo o exercício da abstração, pelo qual se procura alcançar, por meio de representações da realidade concreta,  a razão de ser dos fatos. Assim, como afirma Libâneo, aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa realidade. Portanto o conhecimento que o educando transfere representa uma resposta à situação de opressão a que se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica.

No ensino da Leitura, Paulo Freire, numa entrevista, sintetiza sua idéia de dialogismo: “Eu vou ao texto carinhosamente. De modo geral, simbolicamente, eu puxo uma cadeira e convido o autor, não importa qual, a travar um diálogo comigo”. 

3.2. TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTÁRIA

A escola progressista libertária parte do pressuposto de que somente o vivido pelo educando é incorporado e utilizado em situações novas, por isso o saber sistematizado só terá relevância se for possível seu uso prático. A ênfase na aprendizagem informal, via grupo,  e a negação de toda forma de repressão, visam a favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres.  No ensino da língua, procura valorizar o texto produzido pelo aluno, além da negociação de sentidos na leitura.

3.3. TENDÊNCIA PROGRESSISTA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS

Conforme Libâneo, a tendência progressista crítico-social dos conteúdos, diferentemente da libertadora e libertária, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. A atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade.

Na visão da pedagogia dos conteúdos, admite-se o princípio da aprendizagem significativa, partindo do que o aluno já sabe. A transferência da aprendizagem só se realiza no momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora.

4. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS PÓS-LDB 9.394/96

Após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n.º 9.394/96,  revalorizam-se as idéias de Piaget, Vygotsky e Wallon. Um dos pontos em comum entre esses psicólogos é o fato de serem interacionistas, porque concebem o conhecimento como resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto. De acordo com ARANHA (1998), o conhecimento não está, então, no sujeito, como queriam os inatistas, nem no objeto, como diziam os empiristas, mas resulta da interação entre ambos.

Para citar um exemplo no ensino da língua, segundo essa perspectiva interacionista, a leitura como processo permite a possibilidade de negociação de sentidos em sala de aula. O processo de leitura, portanto, não é centrado no texto, ascendente, bottom-up, como queriam os empiristas, nem no receptor, descendente, top-down, segundo os inatistas, mas ascendente/descendente, ou seja, a partir de uma negociação de sentido entre enunciador e receptor. Assim, nessa abordagem interacionista, o receptor é retirado da sua condição de mero objeto do sentido do texto, de alguém que estava ali para  decifrá-lo, decodificá-lo, como ocorria, tradicionalmente, no ensino da leitura.

As idéias desses psicólogos interacionistas vêm ao encontro da concepção que considera a linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo e das modernas teorias sobre os estudos do texto, como a Lingüística Textual, a Análise do Discurso, a Semântica Argumentativa e a Pragmática, entre outros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com esse quadro teórico de José Carlos Libâneo, deduz-se que as tendências pedagógicas liberais, ou seja, a tradicional, a renovada e a tecnicista, por se declararem neutras, nunca assumiram compromisso com as transformações da sociedade, embora, na prática, procurassem legitimar a ordem econômica e social do sistema capitalista. No ensino da língua, predominaram os métodos de base ora empirista, ora inatista, com ensino da gramática tradicional, ou  sob algumas as influências teóricas do estruturalismo e do gerativismo, a partir da Lei 5.692/71, da Reforma do Ensino.

Já as tendências pedagógicas progressistas, em oposição às liberais, têm em comum a análise crítica do sistema capitalista. De base empirista (Paulo Freire se proclamava um deles) e marxista (com as idéias de Gramsci), essas tendências, no ensino da língua,  valorizam o texto produzido pelo aluno, a partir do seu conhecimento de mundo, assim como a possibilidade de negociação de sentido na leitura.

A partir da LDB 9.394/96, principalmente com as difusão das idéias de Piaget, Vygotsky e Wallon, numa perspectiva sócio-histórica, essas teorias buscam uma aproximação com modernas correntes do ensino da língua que consideram a linguagem como forma de atuação sobre o homem e o mundo, ou seja, como processo de interação verbal, que constitui a sua realidade fundamental.

BIBLIOGRAFIA

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda.  Filosofia da Educação.  São Paulo :  Editora Moderna, 1998.
COSTA, Marisa Vorraber et al.  O Currículo nos Limiares do  Contemporâneo. Rio de Janeiro : DP&A editora, 1999.
GADOTTI, Moacir.  Pensamento Pedagógico Brasileiro.  São Paulo : Ática, 1988.
LIBÂNEO, José Carlos.  Democratização da Escola Pública.  São Paulo : Loyola, 1990.
MATUI, Jiron.  Construtivismo.  São Paulo : Editora Moderna, 1998.
RICHTER, Marcos Gustavo.  Ensino do Português e Interatividade.  Santa Maria :    Editora da UFSM, 2000.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos.  Gramática e Interação.  São Paulo : Cortez, 1998.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Aprendendo a conhecer

Caminhamos para a sociedade do conhecimento, que é tão complexo, frágil e instável. Nunca tivemos tanta informação disponível e, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil conhecer. O que selecionar? O que vale a pena entre tantas opções. O que é importante e o que é descartável? O que é um modismo passageiro e o que nos faz avançar? O que estudamos hoje será útil amanhã? O que estou aprendendo profissionalmente poderei aplicá-lo tal como me ensinam? Num mundo que evolui tão rapidamente, o que posso aproveitar do passado.
Quando somos crianças, estamos abertos para o mundo, queremos aprender tudo com todos. Temos consciência de que não sabemos nada e pensamos que os outros sabem tudo. Quando jovens, começamos a buscar nossas próprias respostas e questionamos o saber dos adultos, que nos parecem muito conservadores, perdidos. E encontramos nossas próprias respostas. Pensamos que sabemos tudo e que os outros não sabem nada. Já adultos, percebemos que a realidade é muito mais complexa do que nossas explicações e que as coisas mudam, assim como as teorias. Relativizamos tudo. Quanto mais avançamos em idade, sabemos que nada sabemos.
Acreditamos que somos objetivos, percebemos com isenção e julgamos sem paixão . Mas as pesquisas comprovam que procuramos ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem nossas teorias, hipóteses ou crenças. Hoje, com o avanço da ressonância magnética, comprovou-se que, quando as pessoas dão respostas objetivas, acionam áreas do cérebro ligadas à afetividade. O psicanalista Contardo Calligaris explica com clareza esse fenômeno:
O “viés de confirmação” é um funcionamento psíquico freqüente (e catastrófico) no diagnóstico médico, no discurso político e nas brigas de casais. Ele consiste no seguinte: o sujeito procura ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem sua hipótese ou o seu preconceito iniciais. O prazer de ter razão prevalece sobre argumentos e informações, produzindo cegueiras. Nosso raciocínio é influenciado por afetos implícitos que nos levam a “minimizar estados afetivos negativos e potencializar estados afetivos positivos”. A gente pensa e escolhe não no interesse da verdade, mas para sentir-se bem.
Cada um de nós tem uma forma peculiar de ver o mundo, de lidar com as novidades e de reagir a situações complicadas. Filtramos o mundo a partir de nossas lentes, experiências, (personalidade,) formas de perceber, sentir e avaliar a nós mesmos e aos outros. Diante de situações idênticas, uns sentem-se calmos e outros se apavoram; os fracassos frustram uns e estimulam outros; enfrentar novos desafios assusta uns e motiva outros. Os acontecimentos não são o mais importante, mas sim a forma como os encaramos, os filtros que colocamos, o significado que lhes atribuímos .
Com os mesmos fatos, podemos construir visões diferentes e interpretá-los de formas opostas. Uns se consideram fracassados, porque tiveram que separar-se ou perderam o emprego. Outros, em circunstâncias semelhantes, consideram-se realizados, porque aprenderam a superar os obstáculos. Os fatos não são o mais importante, mas sim como os interpretamos, como os integramos e a síntese que fazemos.
Em alguns, predomina o filtro pessimista: só vêem problemas, dificuldades. Em outros, o filtro otimista: só vêem o que lhes interessa. O filtro pode ser aperfeiçoado para que não nos leve a distorcer excessivamente os fatos. Se todos me vêem de uma forma e eu não concordo, deve haver alguma deformação no meu filtro. Preciso de outros para aperfeiçoar o meu filtro; confrontar várias pessoas com visões diferentes para aprimorar a minha. O que acontece é que cada um de nós escolhe algumas pessoas como referência interpretativa do mesmo tipo, com crenças e referenciais semelhantes.
Cada um tem a sua interpretação dos fatos. Um militar que tortura diz que apenas cumpria ordens e estava em guerra. O torturado sente-se humilhado e impotente. Cada um tem seus motivos para suas percepções diferentes. Para as pessoas, o peso das suas experiências e vivências orienta sua interpretação diferenciada sobre fatos semelhantes.
Aprendemos com os grupos que nos interessam, presencial e virtualmente. Formamos comunidades de interesses que se apóiam a distância e que quebram a hegemonia dos controles e mídias tradicionais. Pierre Lévy defende que uma comunidade virtual, convenientemente organizada, representa uma importante riqueza no conhecimento distribuído e na capacidade de ação colaborativa.
O conhecimento sempre ficou confinado a territórios dominados por especialistas e por espaços reconhecidos oficialmente (como, por exemplo, as universidades). E os meios de comunicação também eram controlados por grupos culturais e econômicos elitistas. Com a internet e as redes digitais, amplia-se, de forma inimaginável até há pouco, o potencial de democratização do acesso e da produção do conhecimento. Qualquer pessoa pode ser produtora e consumidora simultaneamente e se multiplicam os grupos virtuais que aprendem juntos, se comunicam entre si e divulgam permanentemente suas produções ampliando o que Pierre Lévy chama de inteligência coletiva.
É fácil perceber por que as redes digitais são hoje um fator chave para a compreensão da inteligência coletiva e de sua evolução. Testemunhos como os de Howard Rheingold, por exemplo, vêm comprovando que a sinergia entre as pessoas via web, dependendo do projeto em que estejam envolvidas, pode ser multiplicada com enorme sucesso. As diversas formas de comunidades virtuais, a estratégia P2P, as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a recente febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no incremento do capital social e cultural disponíveis.
Ao mesmo tempo, muitas pessoas se reúnem em grupos de comunicação superficial, banal e preconceituosa. Aumenta, por um lado, a inteligência coletiva; por outro, a ignorância coletiva, os preconceitos e as múltiplas formas de banalização da troca.
Nos ambientes digitais, há uma ampliação virtual de todas as informações e soluções individuais, grupais e sociais, em todos os campos. Quem procura informação a encontra mais facilmente do que antes. Muitos procuram só fofocas, diversão. Quem quer encontra no ciberespaço como aprender, comunicar-se ou fazer divulgação. A sociedade toda aprende de forma mais acelerada. As comunidades virtuais e as listas de discussão são espaços ricos de aprendizagem, de troca e de marketing .
O conhecimento se dá no processo rico de interação externo e interno. Pela comunicação aberta e confiante, desenvolvemos contínuos e inesgotáveis processos de aprofundamento dos níveis de conhecimento pessoal, comunitário e social.
Na descoberta dos caminhos para viver, passamos por etapas de deslumbramento, desânimo, escuridão, realização, paz e inquietação. Em cada etapa, o horizonte se modifica: ora vemos o arco-íris na nossa frente, ora montanhas intransponíveis. Caminhar pela vida nos ensina também a relativizar quase tudo: teorias, promessas, perspectivas, crenças. Vamos mudando: o que nos servia numa etapa não nos ajuda mais. Idéias que pareciam superadas, de repente voltam a fazer sentido. Essa é uma das grandes lições da vida: sabemos que sabemos pouco e esse pouco não é o principal .
É mais o que se nos escapa do que conhecemos. O tempo nos ensina a humildade. No começo, pensamos ter mil explicações para tudo e descobrimos as razões dos nossos pensamentos e ações. Aos poucos, constatamos a complexidade de variáveis que se escondem em cada pessoa, em cada interação, em cada decisão. Descobrimos que há um universo invisível e atuante junto com o visível, mas até onde se estende o invisível é um mistério. Quem sabe explicar o universo? Quem sabe dar conta da complexa interação de energias que circulam dentro e em torno de nós? Quem tem certeza das explicações fundamentais para a nossa vida?. O essencial se nos escapa . Conhecemos muito da superfície das coisas e pouco da profundidade, do que realmente fundamenta tudo.
A integração com pessoas tão diferentes vai-nos mostrando mil formas de perceber, sentir, pensar, agir e interagir. Encontramos pessoas que parecem captar dimensões mais ricas da realidade por meios diferentes dos convencionais. Deixando de lado os que trapaceiam, vemos pessoas que são sensíveis, honestas e têm certos poderes de percepção ou de cura, fora dos padrões convencionais. Poderes estes que, por um lado, lhes conferem superioridade em determinados momentos; por outro, lhes trazem vários problemas pessoais, como dificuldade de gerenciamento emocional, propensão a crises emocionais. Há mais saberes que os reconhecidos, assim como há uma amálgama de explicações irreais, míticas, que dificultam a compreensão da realidade.
Estamos numa etapa de ampliação do conhecimento do universo em todas as dimensões: científica, psicológica e espiritual. A comunicação em rede, o acesso fácil à informação está contribuindo para uma aceleração da aprendizagem coletiva. Todos aprendemos com todos, não só nos espaços formais, mas também nos físicos e virtuais .
Tudo indica que a fome de comunicação e de troca não cessa de crescer, e isso é particularmente verdadeiro entre as novas gerações. A evolução cultural e social pode ser vista como um processo de aprendizagem no decorrer do qual a humanidade intensifica sua inteligência coletiva. Nós nos tornaremos cada vez mais criativos coletivamente e utilizaremos essa potência criativa para “projetar” formas de inteligência coletiva cada vez mais eficazes e criativas e, ao mesmo tempo, mais “responsáveis” e pacíficas com relação à humanidade como um todo e a todas as formas de vida sobre a Terra .

(José Manuel Moran)

Raciocínios “motivados”. Folha de S. Paulo . Caderno E, p.10. 22/2/2007.
Levy desenvolve esse conceito de inteligência em rede principalmente no livro: Inteligência coletiva : por uma antropologia do ciberespaço . 4 . ed. São Paulo: Loyola, 2003.
COSTA, Rogério. A inteligência coletiva : cartografando as redes sociais no ciberespaço . Disponível em: http://www.cibersociedad.net/congres2004/grups/fitxacom_publica2.php?grup=19&id=335&idioma=es
LÉVY, Pierre em entrevista feita a Fábio Fernandes : Em defesa da inteligência coletiva. Revista Nova-E, 2001 , disponível em http://www.sescsp.org.br/sesc/conferencias/subindex.cfm?Referencia=2888&ID=34&ParamEnd=6&autor=168
(Texto publicado no meu livro Desafios na Comunicação Pessoal, Paulinas, 2007, p. 123-131, com ligeiras alterações)